Após pousar em solo brasileiro depois de pouco mais de um mês de trabalho na China, o piloto de avião Mauro Hart, de 59 anos, comemorou a chegada ostentando uma bandeira do Brasil. Ele é um dos 34 repatriados levados de Wuhan a
Anápolis, a 55 km de Goiânia, onde estão em quarentena por precaução contra o coronavírus junto com os 24 integrantes da equipe de apoio que fez o resgate.
Em entrevista ao
G1, Mauro disse que a bandeira o acompanha há 20 anos e não poderia ter ficado de fora. O item foi a ultima coisa que colocou na mochila antes de sair da casa, em Wuhan – onde trabalha como piloto de uma companhia aérea chinesa. A família dele mora em Natal (RN).
“É muito especial para mim. Mundo afora, onde eu for, a levo. Ganhei de um amigo enquanto fazia um voo para o Japão vindo dos EUA. Ela ficava na minha janela para mostrar para todo mundo que ali morava um brasileiro”.
“Quando estava saindo de casa, apagando as luzes, eu vi a bandeira. Ela me acompanha há tanto tempo. Ela não ia ficar sozinha. Peguei e botei na mochila”, lembrou. Depois de quase 40 horas de viagem, o piloto disse que se sentiu muito feliz de pousar na Base Aérea de Anápolis, no último domingo (9), e viu no “amuleto” uma forma de se expressar.
“Chegando aqui tive a ideia de sair com ela aberta porque estava emocionado por chegar a Anápolis, de volta ao Brasil depois de uma viagem tão longa. Eu queria expressar essa emoção mostrando a todos o quanto eu estava feliz de retornar”, revelou.
Depois da exibição nacional, o símbolo voltou a ficar em um local de destaque, como sempre esteve nas casas do piloto. Agora, ela está estampada na parede do quarto em que ele está hospedado no Hotel de Trânsito.
Adeus a Wuhan O piloto contou que viu a cidade chinesa se fechar em medidas de proteção ao passo que o coronavírus se espalhou. Mauro avalia que os últimos dias antes de deixar a China foram os mais difíceis.
“Eu senti que estavam cada vez mais rígidas [as medidas do governo chinês]. Isso foi me deixando mais apreensivo porque poderia significar um avanço maior do vírus. Quando me dirigia ao aeroporto, eu me sentia muito aliviado de estar sendo socorrido”, contou.
Apesar de estar feliz por receber o resgate, o piloto disse que sentiu tristeza pela forma como teve que deixar a cidade. Ver as pessoas cada vez mais isoladas e as restrições de circulação impactaram ele.
“Foi uma emoção ver as aeronaves da Forca Aérea Brasileira esperando nosso embarque, mas também foi motivo de tristeza. A sensação de coração partido por causa da situação em que eu estava saindo de Wuhan. Vim de uma situação tensa, pessoas restritas em casa”.
“Senti como se estivesse fugindo de uma guerra. Fiquei angustiado pelo povo de Wuhan e orando para que essa recuperação aconteça rapidamente”, afirmou. ‘Quarentena voluntária’
Acostumado com uma rotina agitada como piloto, Mauro disse que tem vivido dias de reflexão desde 23 de janeiro, quando foi decretado pelo governo chinês o isolamento de Wuhan. Segundo ele, desde a notícia, ele se preparou para ficar vários dias sem sair de casa, pela própria segurança.
“Fiz minha salinha de crise. Preparei minha logística para ficar até dois ou três meses em casa. Fui ao supermercado e comprei o que achei necessário para todo esse período: congelados, enlatados, além de material de limpeza e higiene”, contou.
Para o piloto, a medida era necessária, assim como a quarentena em que está atualmente.
“Não é o fim do mundo, consigo suportar, tenho estabilidade emocional para saber que é necessário e que não é para sempre. Se eu quisesse sair na cidade, ir me divertir, tinha risco de pegar o vírus, entendo que era necessário assim como essa quarentena”, ponderou.
O segredo, segundo ele, é manter a mente ocupada com atividades úteis e aproveitar o tempo para refletir. Durante a experiência delicada e rara, ele começou a registrar o que tem vivido e quer publicar um livro sobre tudo o que vem passando.
“Procuro me manter com a cabeça ativa, seja lendo um livro, seja assistindo a uma televisão ou escrevendo o meu livro, que estou fazendo sobre esse episódio. [...] Estou registrando como foi a situação lá, o que aconteceu, o resgate, a experiência aqui e vou falar sobre o pós também. Vai ser meu passatempo predileto”, disse. ‘Tranquilo e seguro’
Mauro disse que tem se sentido muito bem durante a quarentena. Entendendo que é uma medida necessária, ele não se sente ansioso para “sair logo”. Tem planos de rever a família e os amigos ao fim dos 18 dias, mas encara tudo com tranquilidade.
“Não me sinto sufocado. Meus amigos estão lá me esperando, minha família está lá me esperando. Não precisa ter pressa para sair logo. Me sinto confortável, as pessoas são maravilhosas, têm empatia muito boa, conversam, sorriem. Um ambiente tranquilo e seguro”, definiu.
O piloto disse ainda que os dias na Base Aérea são bem livres. Não há horários rígidos para acordar ou dormir, eles são avisados com algumas horas de antecedência sobre as atividades de recreação que têm acontecido ao final do dia, como filme e apresentação da banda militar.
As regras a que foram instruídos a obedecer são referentes ao perímetro em que podem circular e ter que usar máscaras o tempo todo em que estiverem fora dos quartos. As refeições são servidas em horários específicos, mas há sempre algum lanche disponível. “Não há horário de dormir e acordar, mas há um silêncio voluntario e civilizado após as 22h. Eles pediram para não nos aglomeramos muito e estamos sempre de máscara fora dos quartos. São algumas regras que cumprimos com prazer”, revelou.
Exames
O primeiro exame feito identificar contaminação pelo coronavírus no grupo com 58 pessoas que está em quarentena deu negativo. O resultado foi comemorado por todos. A tripulação dos aviões e médicos que fizeram a viagem ate a China estavam na expectativa de
serem liberados antes do fim da quarentena, Porém, mesmo com o resultado, o Ministério da Defesa disse que todos ficarão na Base Aérea de Anápolis
até o fim do prazo de isolamento.
Fonte: G1Goiás